Uma missão: projetar um centro de acolhida para crianças ribeirinhas.

Um convite, uma viagem e uma missão: projetar um centro de acolhida para crianças. Um lugar onde 150 gitinhos¹ em situação de vulnerabilidade social receberiam reforço escolar, alimentação, cuidados com a saúde, aulas de música, informática; onde seriam muito amados e simplesmente brincariam.
Essa era a base para o programa do projeto, que guardava, porém, um grande desafio: a cidade onde seria construído e suas implicações. O Centro São Filipe Neri seria a Sede do Projeto Anjo da Guarda, desenvolvido pela Renovação Carismática do Brasil na cidade de Afuá, no arquipélago do Marajó, no estado Pará.
À essa cidade localizada no interior da Floresta Amazônica só se chega de barco ou de avião. A convite dos amigos Virtes e Beto, missionários, então integrantes da Missão Marajó, lá estava eu, depois de atravessar o Brasil e encarrar mais 6 horas de barco. Somente chegando a Afuá entendi a especificidade desse projeto: a cidade localizada na ponta de uma ilhota é toda construída sobre palafitas, as vias são passarelas de madeira e não existem carros, seus 10.000 habitantes se locomovem a pé ou de bicicleta e a maior parte das edificações são construídas em madeira com características muito particulares.
Apenas 8 dias, esse era o prazo para conhecer uma nova cultura, uma nova forma de construir, e deixar o projeto pronto para execução. Chegando ao terreno, outra surpresa, já haviam iniciado a estrutura. Um emaranhado de peças de madeira formava um esqueleto que ocupava quase o terreno todo, volumetria essa sobre a qual, sem pensar, soltei a pergunta: “Que arapuca é essa?
Sendo assim, minha missão seria dar forma e vida à “arapuca”, trabalho que fizemos da melhor forma: juntos! Carpinteiros, missionários e arquiteta. A imersão nos costumes marajoaras, o clima, a observação da arquitetura local e as restrições financeiras subsidiaram soluções, para levantar uma edificação de 450m² sobre palafitas.
Pés direitos duplos no salão multiuso e refeitório, mezanino no corredor de acesso à biblioteca, brinquedoteca e laboratório de informática, uso de treliças com desenho inspirado na grega marajoara, elementos estéticos que além de proporcionarem melhor ventilação e visibilidade trouxeram leveza ao partido.
Jogos de luz e sombra desenhando a luz do sol no chão, se misturam a explosão de cores das paredes que expressam a ludicidade e a vida que requer um lugar para crianças. Construído 100% em madeira, assim nasceu o Centro São Filipe Neri, um projeto formado por muitas mãos, cabeças, braços fortes e pernas mancas² . A realização de um sonho que abriu e abre caminho para outros!

¹Diminutivo de gito, palavra utilizada no Marajó como sinônimo de crianças.
²Peça de madeira utilizada no Marajó, semelhante ao caibro.